Atenção: a leitura de Confusão no Aluguel – Parte 1 – Bacon e Monalisa é um pré-requisito para a parte 2, senão você não vai entender toda a história.
Resolvido o bizarro problema com Bacon e Monalisa, começamos finalmente nosso contrato de aluguel diretamente com a proprietária, sem intermediários. O contrato foi assinado em abril, antes mesmo da confusão toda. E começaria em julho, após a confusão com Bacon e Monalisa.
Vale mencionar que quando assinamos o contrato com Dona Neves, já estávamos começando a pesquisar uma casa para comprar, então se tudo desse certo, provavelmente nos mudaríamos antes do final do contrato de um ano. E, para sermos honestos, avisamos isso para a proprietária. Ela então disse que não havia problema nenhum, bastava dar um aviso com 3 meses de antecedência caso quiséssemos encerrar o contrato antes da data limite, que seria 30 de junho de 2015.
Excelente! Para nós estava ótimo. Seria mais ou menos o tempo necessário para mudar para a casa nova, quando achássemos e comprássemos uma. Então estava anotado. “Avisar com 3 meses de antecedência”. O nosso erro foi não deixar isso claro no contrato…
Pois bem, em julho de 2014 começamos o novo contrato, com fechadura nova (importante, dado o ocorrido na parte 1) e nosso próprio fogão.
Tudo ia bem, apesar dos 7 a 1 que o Brasil levava da Alemanha naquele começo de mês e época de Copa do Mundo. Passaram Julho, Agosto e Setembro sem nenhum problema. Enquanto isso, estávamos procurando uma casa para comprar.
Até que em outubro achamos nossa casa ideal, perfeita, exatamente do jeito que queríamos. (A negociação desta casa foi uma pequena novela também, qualquer dia eu compartilho)
Mais ou menos no meio do mês de outubro assinamos a compra da nossa sonhada casa. E o antigo proprietário pedia 3 meses até a mudança, ou seja, a mudança seria em janeiro. Nossa, novamente tudo estava perfeito. Era exatamente o tempo que Dona Neves pedia como pré-aviso para encerramento do contrato.
Então rapidamente providenciamos uma carta de aviso de encerramento do contrato em 3 meses. Mandei a carta registrada e mandei um SMS para Dona Neves avisando que a carta estava a caminho.
Um ou dois dias depois, ela recebeu a carta. Então ela me liga.
Dona Neves: “Oi Márcio. Recebi sua carta. Precisamos discutir isso. Vocês não podem encerrar o contrato. Vocês precisam repassar o contrato para outra pessoa.”
Eu: “Calma aí, quando assinamos o contrato nós avisamos que estávamos procurando uma casa e que provavelmente terminaríamos o contrato antes da data. Você disse que tudo bem e que bastava avisar com 3 meses de antecedência.”
DN: “Sim, eu sei. Mas não imaginava que vocês fossem cancelar assim tão rápido. Eu não conseguirei achar outro locatário em pleno inverno.”
Eu: “Bom, vou ver o que a lei diz e te retorno.”
O problema é que aqui existe uma lenda de que se você der um aviso de 3 meses, você pode encerrar o contrato antes da hora. Mas isto não é verdade. Pesquisamos as leis e vimos que tínhamos que transferir o aluguel para outra pessoa se não houvesse acordo, ou sublocar o apartamento, como fizeram Bacon e Monalisa com a gente.
Bom, pelo jeito nos demos mal.
Mas tudo bem. Vamos fazer o que a lei manda. Na pior das hipóteses, pagaremos o restante do contrato e pronto.
Então anunciamos o apartamento para repasse. É comum aqui os anúncios de Transfert de Bail (transferência de contrato), justamente para estas situações.
Depois de uns 2 dias, um casal entrou em contato, interessado no apartamento. Marcamos um horário e eles foram fazer uma visita. Eles adoraram o apartamento, era perfeito para eles. Era um casal na faixa dos 35 anos, com 2 filhos pequenos. A mulher trabalhava numa universidade e o homem, num banco. Ambos tinham a vida financeira estável e pareciam ser bem tranquilos. Eles foram embora e disseram que iriam pensar e retornar depois. Não deu meia hora eles ligaram de volta e disseram que queriam ficar com o apartamento e até a data de transferência estava ótima.
Nossa, demos sorte! Eles voltaram e assinamos o contrato de transferência, de acordo com o que manda a lei. Caramba, muita sorte! Em 2 dias resolvemos isso e iríamos passar o apartamento para um casal ótimo, que não iria dar problema para a proprietária.
O interessante é que a lei diz que o proprietário não pode recusar o novo inquilino, exceto se ele tiver o nome sujo ou tenha antecedentes criminais. Somente algo sério mesmo.
Então mandei os formulários assinados para a proprietária, de acordo com a lei, e novamente em carta registrada. De novo enviei uma mensagem SMS antecipando que havíamos encontrado inquilinos ideais e que estávamos mandando os formulários. Ela respondeu “que ótimo!” e pediu o telefone para conversar com eles.
Dei o contato deles e ela ligou para eles.
No outro dia ela me liga:
Dona Neves: “Então, eu falei com eles, mas acho que não vai dar certo, não. Você não me disse que eles têm duas crianças.”
Eu: “E daí?”
DN: “É que este apartamento é para um casal somente.”
Eu: “Como assim? Não há nada na lei que diga que só podem morar 2 pessoas aqui.”
DN: “É, mas na verdade é um apartamento de 1 quarto. O segundo quarto é improvisado, junto da saída do quintal.”
Eu: “Não interessa, ué. Eles dormem onde eles quiserem. Se eles quiserem dormir os 4 no mesmo quarto, eles podem. Se eles quiserem usar o segundo quarto, eles podem. Se quiserem, podem dormir na cozinha. Não entendo qual o problema do segundo quarto. Eles visitaram o apartamento e acharam perfeito.”
DN: “É, mas o problema é que as crianças vão ficar num quarto que tem saída para o quintal. Eu sou arquiteta e sei que isso não é bom, as crianças podem sair…”
Comecei a perceber que ela estava enrolando. Que estava simplesmente não gostando da ideia de alugar para uma família com crianças. E ela não pode recusar inquilinos porque eles têm filhos. E ela sabe disso. Então estava inventando problemas no apartamanto.
Ela dizia: “veja bem, não estou recusando eles. Mas tenho que avisá-los deste problema.”
Respondi: “bom, nós fizemos tudo o que a lei manda. Seguimos todos os procedimentos recomendados e obrigatórios. Agora se você não aceita os inquilinos, não é problema nosso infelizmente.”
No dia seguinte os novos inquilinos me ligam e dizem que não vão querer ficar no apartamento, pois a proprietária lhes disse que o apartamento não era seguro para crianças e tal.
E ela também me liga em seguida dizendo que eles desistiram e que teríamos que encontrar outro inquilino.
Putz, nessa hora fiquei com muita raiva! Falei para ela: “Não vamos procurar outro inquilino coisa nenhuma. Nós encontramos uma família ótima, seguimos todos os procedimentos e você fez de tudo para fazê-los desistir, pois você não pode recusá-los e você sabe disso. Acontece que o contrato de transferência já está assinado de acordo com a lei. E se o inquilino desistiu, é problema seu com ele. Eu não vou procurar outro, pois você vai dar um jeito de achar um problema e recusar novamente. Então sinto muito. Dia 9 de janeiro entregaremos as chaves, como estabelecido no contrato de transferência.”
Falei tudo isso para ela, mas com uma ponta de preocupação. Já tínhamos estudado as leis, mas o problema é que as leis daqui sempre deixam uma brecha. Elas são bem claras, mas no final sempre tem uma frase do tipo “salvo em casos excepcionais” ou uma outra frase qualquer que zoa toda a regra e deixa o negócio meio indefinido. Já falei sobre isso no post O Seguro Morreu de Velho.
Mas tínhamos todas as provas de que tínhamos seguido a lei. Todos os formulários necessários assinados pelas partes, comprovantes de entrega das cartas registradas, cópia das mensagens de SMS, etc. Mas ainda assim resolvemos consultar o órgão que regula os aluguéis no Québec (Régie du Logement). Fomos até lá falar com alguém no setor de atendimento ao público. Ao perguntar se poderíamos agir daquela forma, a pessoa abre o site da Régie e lê o que está escrito na lei. E não quis esclarecer a nossa dúvida. Apenas leu o que estava no site e nos deu o cartão de um advogado. Ora, se é para ler o que está escrito no site, pra que esse serviço de atendimento??? Pra quem não sabe ler? Que raiva!
Mas estávamos 99.9% seguros de que tínhamos todas as provas necessárias caso Dona Neves entrasse com um processo. Mas era muito pouco provável que ela nos processasse pois sabia que estava errada. E se processasse, dificilmente ganharia, visto que tínhamos seguido à risca o processo. E no pior das hipóteses, se perdêssemos, no máximo teríamos que pagar o restante do contrato (6 meses).
Então pensamos: “Quer saber, vamos seguir com o nosso plano e pronto. Temos um contrato de transferência para o dia 9 de janeiro e neste dia entregaremos o apartamento. Não vamos correr atrás de outro inquilino.”
Avisei então Dona Neves que essa era a decisão final e que nosso contrato encerraria dia 9 de janeiro. Ela disse que iria então tentar vender o apartamento e me pediu para pelo menos liberar eventuais visitas de interessados. Claro que não me opus e ficou por isso mesmo. Nunca ninguém foi visitar o apartamento. E enquanto isso nós preparávamos nossa mudança pra casa nova.
Mas estávamos ansiosíssimos para nos livrar daquele apartamento, que nos deu tanta dor de cabeça. E, para nossa alegria, conseguimos antecipar nossa mudança para a casa nova no dia 18 de dezembro, 20 dias antes do previsto.
Maravilha!
Nos mudamos então no dia 18, mas não entregamos o apartamento nesta data. Ficamos com as chaves e pagamos o aluguel até o dia 9 de janeiro, para cumprir exatamente o acordo e não deixar nenhuma brecha para a proprietária entrar com um recurso. Então no dia 8 de janeiro enviamos as chaves pelo correio, em carta registrada, para a proprietária. As chaves chegaram precisamente no dia 9, como previsto. E estávamos finalmente livres do aluguel e desse monte de gente louca.
Nunca mais falamos com Dona Neves. Ela também não entrou com nenhuma ação ou recurso contra a gente, pois sabia que não teria argumento.
E assim termina a parte 2 da história. Não foi tão estressante quanto a parte 1, mas também nos deu uma dor de cabeça razoável.
Então ficam as dicas para os novos imigrantes:
– Sempre insistam em escrever todas as condições nos contratos de aluguel ou de qualquer coisa
– Sempre sigam o que diz a lei
– Se tiver a impressão que a outra parte é louca, é porque provavelmente é. Então mantenha o máximo de distância possível e desconfie!
Fico devendo para vocês a explicação do rolo do fogão e o rolo da compra da casa.
Agora estamos saindo para ir na Cabane à Sucre.
Até mais!